Por Michel Zaidan Filho
O conceito de "Patrimonialismo" possui uma longa história nos manuais de administração pública e formas de dominação política. Oriundo das monarquias absolutistas europeias, que surgiram na transição da Idade Média para a Idade Moderna, caracterizava aquelas formas de administração real que fundia a titularidade das terras, colheitas e animais existentes no reino com a fazenda real. Ou seja, o rei dispunha, quando lhe conviesse, de tudo que existia em seu reino, independentemente se fosse dos súditos ou dele mesmo. Toda a luta dos parlamentos e da chamada sociedade civil contra o rei foi no sentido de separar a propriedade real (depois, pública) da propriedade privada (dos súditos), de forma que esta não estivesse subordinada aos interesses e necessidades da Coroa.
Até hoje se discute se o modelo da monarquia portuguesa foi ou não patrimonialista. 0 principal estudioso dessa herança maldita foi o ex-presidente da OAB, Raimundo Faoro, num livro clássico intitulado: "Os Donos do Poder". São mais de 500 páginas destinadas a provar que a história da administração pública no Brasil só reproduz a herança patrimonialista da monarquia lusitana, passando por autores consagrados como Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Roberto da Matta etc. Afinal, conservamos ou não - ainda hoje - esse estilo de administração pública, elevado à categoria de um "tipo de dominação" na famosa tipologia do sociólogo alemão Max Weber?
Essa é a história do Brasil: os esforços para implantar entre nós um regime republicano e uma administração moderna, submetida à Constituição. A nossa carta maior de 1988 aprovou pela primeira vez um capítulo sobre a administração pública, tipificando os crimes contra o interesse e o erário público. E o ex-ministro Bresser Pereira chegou a falar em "Direitos Republicanos", uma quarta geração de direitos, ligados à boa gestão dos negócios públicos. Infelizmente, como diria Oliveira Viana, existe o Brasil ideal e o Brasil real. Entre eles medra uma enorme distância que, segundo o sociólogo, só podia ser enfrentada com uma modalidade de "autoritarismo instrumental", não através das leis e dos bons costumes. 0 fato é que apesar dos inegáveis avanços no trato da coisa pública e da publicização das boas práticas de gestão pública no Brasil, persiste o vezo, o costume, o hábito de tratar a ação administrativa do município ou do Estado "como coisa sua", da "sua família" ou do seu "grupo político", ao arrepio das leis e dos avanços conquistados.
É o caso de Pernambuco. Abro o computador e sou obrigado, como cidadão, a me deparar com a notícia que uma vez por mês alguma obra, serviço, equipamento, logradouro, aeroporto, viaduto, ponte etc. ganha o nome de um ex-governador recentemente desaparecido. É de se perguntar como uma geração de aprendizes da política recrutada nos Tribunais de Conta do Estado não aprenderam nada em sua atividade de auditores e fiscais das contas públicas, sobre o conceito de patrimonialismo e republicanismo. A administração pública é impessoal, legal e da ética republicana, diz a Constituição cidadã. Essa turma não leu ou não respeita os mandamentos constitucionais e se submete, antes, a algum dever de lealdade dominicana ao chefe ou a quem os elegeu, ou à família do chefe? É, por acaso, o Estado de Pernambuco uma capitania hereditária de algum feudo ou oligarquia familiar? - Qual o sentido dessa administração familista? Perpetuar a memória do falecido, através dessas homenagem com o dinheiro público, para que seus descendentes e correligionários possam usá-las politicamente, nas próximas eleições?
A cidade, como o Estado, pertence aos cidadãos e cidadãs de Pernambuco. Não podem ser usadas discricionariamente pelos seus governantes para fins ou objetivos pouco republicanos. O patrimonialismo na gestão pública é crime de lesa-república e merece ser ajuizado pelo Ministério Público, para que tenhamos uma gestão que faça jus aos brios político do povo pernambucano.
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